sábado, 14 de abril de 2018

Pará de Sangue: violência é sintoma, não doença






A segurança no Pará vive tempos duríssimos, mas a situação atual não é recente e urge que um novo pacto pela vida seja construído com a participação de todos os entes da federação e da sociedade civil. A demagogia e a proliferação da idéia de que "bandido bom é bandido morto" engana as pessoas e usa o sentimento de insegurança como cortina de fumaça. É fácil transferir  e esconder o problema. 

A ESCALADA DA VIOLÊNCIA

Os índices de homicídios são maiores que em São Paulo. Em 2017, o Pará teve 279 homicídios a mais que São Paulo, mesmo com uma população 4 vezes menor. Naquele estado ocorreram 3.503 homicídios (população de 45.094.866) e o Pará 3.782 (população de 8.366.628) um cenário grave e que se torna cada vez mais preocupante. A violência cotidiana interiorizou-se no território e impacta todos os 144 municípios desde a capital até cidades pequenas como Mocajuba que vive sob violência aguda  ou municípios médios como Altamira que lidera a relação dos municípios mais violentos do país e mortes violentas por causa indeterminada.


No ano passado, foram 4.416 mortes violentas com a média diária de 12 mortes. Desde total, são 3.782 homicídios, ainda são registrados 215 latrocínios, 34 lesões corporais seguidas de morte e 385 mortes por intervenção policial. Todos os estudos são unânimes: a polícia que mais mata é a que mais morre. E o Pará é o segundo Estado que mais mata policiais no país.




O ano de 2018 revelou o descontrole da questão e janeiro trouxe números assustadores. Foram 434 mortes violentas, sendo 370 homicídios (130 na Região Metropolitana de Belém e 240 no interior), 14 latrocínios, uma lesão corporal seguida de morte e surpreendentes 49 mortes por intervenção policial assumindo o posto de segunda polícia que mais mata no país.


As chacinas de Abril
No último dia 09 de Abril, a região metropolitana passa a viver “tempos de guerra” e recoloca a necessidade de recolocar a segurança como questão estratégica e transversal para a construção de um cenário onde a vida não esteja em constante risco nas esquinas paraenses.



Desde a morte do Cabo Ernani Rogério Silva da Costa, de 32 anos, que foi assassinado a tiros, no Bairro 40 Horas, em Ananindeua, na noite de domingo, 09/04 e da morte do o cabo da PM, Ivaldo Nunes da Silva, 49 anos, no final da manhã de segunda, na Sacramenta em Belém – uma escala de violência desencadeou-se na região metropolitana.  Neste dia, foram 11 mortos com características de execução até ás 19 horas. A cidade de Ananindeua tornou-se palco da guerra com quatro mortos no Distrito Industrial, dois (2) no bairro 40 Horas e mais um (1) no bairro do Icuí-Guajará. Na capital, atônita, quatro execuções espalharam o terror no Satélite, Tapanã, no Ariri Bolonha e na Cremação.


A instalação do gabinete de crise pelo governo do Pará liderado pelo Secretário Estado de Segurança Pública e Defesa Social, delegado Luiz Fernandes Rocha, foi o reconhecimento de que a situação é gravíssima. 


O envolvimento dos comandos de policiamento civil e militar, comando de missões Especiais, Batalhão de Choque; Companhia Independente de Operações Especiais; Ronda Ostensiva Tática Metropolitana, o Regimento de Polícia Montada e Guarnições em 17 viaturas e 12 motocicletas não impediu que durante o dia 11 mais execuções três fossem realizadas. No dia seguinte a escala continuou. Desta vez, as mulheres também figuram dentre os executados.


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Complexo Penitenciário de Americano
foto: reprodução



















O que se seguiu foi o coroamento trágico do cenário de caos com a tentativa de resgate ou fuga no Complexo Penitenciário de Americano em Santa Izabel (PA) que teve como resultado: 21 internos mortos; 15 presos feridos, 05 agentes penitenciários feridos e um morto. Nenhum invasor foi preso. A Comissão Nacional de Direitos Humanos investiga o evento e a Sindicato dos Agentes Penitenciários informa condições de trabalho precárias.






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Internos do sistema penal mortos ao lado de uma "guarita de segurança" improvisada e insegura
reprodução


As caçadas mútuas não pararam.

A guerra seguiu-se nas ruas com ataques a unidades (sucateadas) da polícia militar na Cremação e Tenoné. E logo, mais 11 mortes em diferentes bairros. Na era do Whatsapp, as narrativas dos envolvidos dos dois lados informa uma guerra entre crime organizado com presença do Comando Vermelho, das milícias que tornaram o “carro prata uma anedota popular” (Veja o vídeo), o tráfico clássico e o Estado representado pelas polícias.




No meio do caminho a sociedade. Todas as classes, raças, gêneros, idade.

Os áudios exaustivos revelam de ações encadeadas de revide e disputa de poder. Morre um policial, na sequência morrem banidos, mais policiais, mais bandidos. No meio do caminho quem estava do lado de fora disso. 

Uma guerra onde todos perdem. 


Box da PM atacado 

E, mais grave, esconde dos cidadãos e cidadãs comuns o real problema da segurança pública e suas causas associadas. Para piorar o quadro, ainda temos parlamentares federais demagogos  inflamando ao discurso do ódio e levantando cortina de fumaça sobre o problema para angariar votos. 



Se não bastasse o clima de insegurança total na região metropolitana e as mães berrando nas portas dos presídios buscando informações sobre seus filhos mortos, as unidades da polícia militar sofrem novos atentados no bairro do Jurunas resultando no ferimento de policiais. Diante disso, o ministro da defesa ofereceu apoio da guarda nacional diante da reverberação de deputados do Pará pela intervenção federal.

O governo do Pará rechaçou a ajuda. Mas destacou a necessidade de implementação de ações pela União para ajudar na questão: desde o fortalecimento de postos da polícia federal até a  implementação efetiva de um Fundo Nacional de Segurança Pública e ainda aprovação no Congresso Nacional, do PLS 90/2007, que proíbe cortes orçamentários e limitação de despesa da União para a área da segurança.




A segurança pública no Pará urge que os diferentes setores de governo unam-se na busca de soluções de imediato e longo prazo. Essa coisa do antagonismo entre bandido e polícia e a popularização da idéia "bandido bom é bandido morto" brinca com sentimento de injustiça e insegurança plantado na percepção das pessoas. 


Todas as instituições que cuidam da segurança pública estadual precisam de atenção desde o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, que recebe os corpos, passando pelo Corpo de Bombeiros Militar do Pará. Do Departamento de Trânsito do Estado do Pará ao Fundo de Investimento de Segurança Pública invisibilizado. 


A tão mal cuidada Polícia Civil que teve efetivo reduzido ao longo dos anos e não conta com instrumentos para a inteligência amargando péssimos índices de resolução de casos. 

A polícia Militar do Pará que apesar de representar o maior custo da segurança pública, carece de tudo: desde o aparelhamento técnico até a melhor remuneração e apoio aos policiais. E por fim, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social que tem como atribuição capitanear a integração com outras políticas como as educacionais e culturais estaduais. E tem também integra a Superintendência do Sistema Penal (SUSIPE) que passa por grave precarização, redução de projetos sociais e superlotação invertendo sua função original. São 6.055 presos provisórios dos 17.150 totais. É muita gente presa sem sentença. Muita gente em poucas vagas dada a superlotação. Existem investimentos, ações, obras etc. Mas em descompasso com os problemas.



DESAFIO DE TODAS OS ENTES DA FEDERAÇÃO

A segurança é tema transversal e multi-escalar. O sistema de justiça não dispõe de condições para operar e na maioria dos municípios paraenses não há defensor público o que resulta em índices vergonhosos de presos não julgados impactando o sistema carcerário.
Muita gente presa sem julgamento.
Muitos crimes sem solução, muita gente sem defesa.
Cadeias superlotadas e desumanas tornando-se terreno fértil para o crime organizado.


A despeito da atribuição da segurança recair sobre o Estado, a União precisa rever sua posição sobre o tema e sobre o repasse de recursos tão concentrados – ou será chamada a intervir já sabendo que vai falhar. E todos os entes federativos devem trabalhar em conjunto desde os municípios até o governo federal.


Imediatamente, um novo pacto deve ser liderado pelo governo Simão Jatene (PSDB) para encontrar caminhos firmes e seguros para superação dessa crise.

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